VINTE
Moisés entrou no quarto dos meninos mais novos e, pela primeira vez,
percebeu o que estava errado. Errado no seu modo de pensar. Viu o berço de João
Batista encostado à parede perto da janela. O menino dormia tranquilamente.
Salomão sorriu para o pai. Sua cama ficava colada ao berço, como ele quisera
logo após o desaparecimento da mãe. Tudo em ordem. Viu Levi deitado na cama do
meio, quase dormindo, quase acordado. Certo. Foi na cama dos gêmeos que viu
algo que não estava correto aos seus olhos e, portanto, aos olhos de Deus.
Esaú e Jacó ainda dormiam juntos na mesma cama, embora já fossem grandes
com 13 anos. O que tinha a mancha negra na testa estava abraçado ao outro, por
trás, e ambos dormiam profundamente. Nenhuma maldade havia entre eles, de modo
que nada de mal passou pela mente de Moisés. Simplesmente achou errado que
ainda dormissem daquele jeito quando havia uma cama sobrando no outro quarto: a
cama de Josué. Talvez já até tivesse pensado naquilo. Mas bem no fundo ainda
tinha uma esperança de a mulher e o filho mais velho voltarem.
Delicadamente ergueu Esaú em seus fortes braços de pai e levou-o para
fora daquele quarto. Levou-o para o outro e colocou-o na cama de Josué. Davi
sentou-se e quis saber por que o pai estava fazendo aquilo.
— Não quero mais os dois dormindo na mesma cama pequena. Já estão virando
homens.
— Pai, acho que eles não vão gostar.
— disse Isaque, sorrindo, mas sentindo pena dos gêmeos.
— Por que não? Eles são gêmeos, mas não são um só. Não vão ficar o resto
da vida grudados um no outro. Agora durmam com Deus. — finalizou, cobrindo
Esaú.
(...)
VINTE E DOIS
Jacó foi o primeiro a acordar na madrugada. Despertou a todos com os
gritos desesperados. Apenas de pijama, andou pela casa toda, no escuro, como se
algo terrível tivesse acontecido.
— Esaú, Esaú, cadê você? Esaú!
Depois ficou calado, parado diante da porta do pai, tentando resolver se
entrava ou não. Por fim, o medo falou mais alto. Não o medo que tinha do pai.
Mas o medo de perder o irmão. Abriu a porta e entrou gritando:
— Pai, pai, acorda, pai, por favor. O Esaú desapareceu, pai. O Esaú
desapareceu.
Estava chorando. Moisés acendeu o lampião e abraçou o menino, tentando
acalmá-lo. Só agora percebia que havia cometido um erro. Devia tê-los acordado
antes de separá-los. Quando o menino acalmou-se, todos os outros já estavam
acordados. Apareceram à porta do quarto do pai. E Esaú entrou, chamando pelo
irmão.
— Esaú! — exclamou Jacó, soltando-se dos braços do pai e correndo para
abraçar o irmão. E assim ficaram durante os minutos em que o pai explicava o
acontecido e o que ia acontecer dali em diante.
Eles ainda tentaram protestar, mas o pai foi irredutível. E no momento
ninguém pensou numa ideia melhor, que não fizesse os gêmeos sofrerem. Era
doloroso para eles quando chegava o momento de se separarem para dormir, quando
tinham dormido juntos durante 13 anos. Era doloroso vê-los sofrendo com isso,
como se ambos fossem ao mesmo tempo para mortes diferentes.
Dois dias depois, vendo que Esaú não acordava, embora já tivesse
amanhecido, Davi voltou ao quarto e descobriu que o irmão ardia em febre
altíssima, e delirava, chamando pelo irmão gêmeo e pela mãe. Foi atrás de Jacó
e só o encontrou no outro quarto, no mesmo estado, gemendo e delirando com a
alta temperatura do corpo.
Davi correu a avisar o pai, que veio preocupado, sem saber o que fazer.
— Senhor, me ilumina, por favor. Como é que eu posso deixar esses dois
meninos, que estão virando homens, dormirem na mesma cama?
Foi então que a ideia surgiu. Davi sentia muita pena dos irmãos, do
sofrimento deles. Aproximou-se do pai e disse:
— Pai, por que o senhor não coloca a cama do Josué lá no quarto deles? Aí
eles podem dormir juntos, cada um numa cama.
Moisés sorriu e agradeceu a Deus pela ideia que viera à cabeça do filho.
E então assim foi feito. No dia seguinte os gêmeos estavam curados. E felizes.
E abençoadamente juntos. Juntos na vida. Juntos na morte...